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Edileuza de Azevedo Gazzani

Durante sua infância em Caruaru, Edileuza pode se dedicar aos estudos. Aos 13 anos, sua família veio para São Paulo e foi quando ela começou a trabalhar ajudando a família. Nos primeiros anos em São Paulo, começou a namorar e aos 16 anos casou-se com este namorado; tiveram quatro filhos, e começou então a trabalhar fora para ajudar em casa. Em seu último emprego, trabalhou como copeira para o IMES-USCS por 30 anos. Imagem do Depoente
Nome:Edileuza de Azevedo Gazzani
Nascimento:09/04/1947
Gênero:Feminino
Profissão:Servente
Nacionalidade:Brasil
Naturalidade:Caruaru (PE)

TRANSCRIÇÃO DO DEPOIMENTO DE EDILEUZA DE AZEVEDO GAZZANI EM 29/03/2017

Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS)
Núcleo de Pesquisas Memórias do ABC e Laboratório Hipermídias
Depoimento de Edileuza de Azevedo Gazzani, 69 anos.
São Caetano do Sul, 29 de março de 2017.
Entrevistadoras: Luciana Cunha e Priscila Perazzo
Equipe técnica: Ileane Ribeiro e Tayná Meirelles
Transcritora: Luciana Cunha e Bruna Moura

Pergunta - Luciana:
Estamos gravando depoimento da funcionária Edileuza de Azevedo Gazzani no dia 29 do três de 2017 no Laboratório de Hipermídias no campus Centro. Laboratório Hipermídias!

Pergunta - Priscila:
É, no Laboratório Hipermídias, campus Centro, entrevista feita por Luciana...

Pergunta - Luciana:
Cunha!

Pergunta - Priscila:
E Priscila Perazzo e operadoras de audiovisual Ileane Ribeiro e Tayná... Tayná o que mesmo? Tayná Meirelles.

Pergunta - Luciana:
Só isso? Tá... Dona Edileuza, fala para mim, por favor, o seu nome completo.

Resposta:
Edileuza de Azevedo Gazzani.

Pergunta - Luciana:
A sua data de nascimento.

Resposta:
09 de abril de 1947.

Pergunta - Luciana:
E o seu local de nascimento.

Resposta:
Caruaru, Pernambuco.

Pergunta - Priscila:
Dona Edileuza, incomoda a senhora se a senhora tirar o óculos?

Resposta:
Eu não enxergo, mas eu não vou ler nada, né?

Pergunta - Priscila:
Sabe o que é, o óculos está dando reflexo.

Resposta:
Bom, eu estou vendo vocês, mas digo assim, para ler, não, não tem problema não, por isso que eu vou operar, se Deus quiser, pôr lente.

Pergunta - Priscila:
Já vamos ficar com o seu rosto novo.

Resposta:
Vou ficar nova. Coitada d'eu.

Pergunta - Luciana:
Finge que foi depois da operação já.

Resposta:
É, se Deus quiser.

Pergunta - Luciana:
Conta um pouquinho para a gente como foi a sua infância. Onde você nasceu, a casa que você foi criada, sua família... Como foi esse início da sua vida?

Resposta:
Ah, ai meu Deus, e agora, como é que eu te falo? Assim, foi uma infância boa, eu estudava...sempre morei com o meu pai e a minha mãe. A gente, naquele tempo, brincava. Na escola era bom, a gente brincava bastante. Mas assim, a minha infância não foi assim de sair, viajar essas coisas não, porque o povo do norte era um povo muito antigo, não tinha essas coisas. Você vê que até para a gente estudar, fazia o primário e acabou. Nunca... porque que nem aqui pra estudar, para fazer um curso, não, nunca teve isso. Eu também só estudei, também nunca trabalhei. Depois que eu casei, foi que eu comecei a trabalhar, porque aí eu tive os quatro filhos, meu marido ganhava pouco, ele era gráfico, mas naquele tempo ganhava pouco, foi quando eu comecei a trabalhar.

Pergunta - Priscila:
Dona Edileuza, o que o seu pai e a sua mãe faziam lá em Caruaru?

Resposta:
Meu pai foi dono de bastante restaurante lá no centro mesmo de Caruaru. Ele tinha, sempre viveu por conta. Depois, quando ele veio aqui para São Paulo, que eu tinha treze anos, ele pôs um banco de calçado. Comprou um carrinho, uma caminhoneta, eu ajudava ele nas feiras, nunca trabalhei fora, sempre ajudei ele. Foi tempo que eu comecei a namorar meu esposo, aí casei, ele vendeu o carro, vendeu as coisas da feira e ele voltou, porque a minha mãe é muito frio aqui, ela não se dava com a friagem daqui, aí eles foram embora, aí eu fiquei, bem dizer, sozinha, né? Porque sem pai, sem mãe, tudo longe, sabe, esse povo do norte é um povo que não tem muito amor, não é igual o povo daqui, amoroso, carinhoso, não, não se preocupava de escrever para mim, nunca vinham me ver porque eu casei com 16 anos, eu até choro [choro].

Pergunta - Priscila:
Pode chorar, dona Edileuza, a gente espera [pausa longa para choro]. A senhora é filha única?

Resposta:
Aí, foi assim, uma juventude... Nunca tive juventude, né? Nunca fui numa festa, nada, nada, era dentro de casa com a minha mãe e com o meu pai. Assim, não judiavam da gente, Deus o livre, meu pai era muito bom, minha mãe, não faltava nada para a gente, quando estudei, estudava em ginásio pago lá, até era ginásio Sete de Setembro, bem no centro, porque eu nasci e me criei no centro mesmo de Caruaru, nunca morei nos arredores, no centro mesmo de Caruaru. Eu estudava num colégio chamado Colégio Sete de Setembro. Eu estudei pago, fui bem criada, nunca fiz nada e depois que casei tive que fazer e aprender, porque aí minha mãe foi embora, aí eu fiquei. [5']

Pergunta - Priscila:
A senhora é filha única?

Resposta:
É eu e meu irmão, minha mãe teve 12 filhos, mas morreu 10. Só criou eu e um, ele que está lá, ele está cuidando da minha mãe, minha cunhada porque não tinha como eu cuidar dela. Em 1994 eu fui buscar ela para operar a catarata dela aqui, ela ficou três anos comigo, pois eu não queria que ela fosse embora, mas ela tinha muito amor pelo meu irmão, sabe mãe como é, né? Eu levei ela embora, mandei meu filho levar ela, ela ficou três anos comigo. Depois, professora, fiquei 16 anos sem ver ela... Não é brincadeira, né? Não dava para ir lá. Quando foi em 2012, eu fui lá visitar ela, ela já estava doente. Eu ia visitar ela ano passado, aí saiu outro nódulo de lado do meu marido, aí piorou o problema da garganta dele, aí não tinha como eu sair, né? Porque eu sou homem e mulher dentro de casa, sempre fui, para tudo, para tudo, para tudo. Mas nunca tive assim, uma adolescência de sair, passear, ir num cinema, nunca, nunca, meu cabelo meu pai não deixava eu cortar, meu cabelo batia na cintura, com aqueles vestidos de manga fofinha, de elástico, antigamente usava, bem cumprido, nunca usei uma calça comprida, pintura, não, isso eu nunca gostei, como fui criada, nunca pus nem um batom na minha boca, nada, o que eu gosto é de estar com meu cabelo cortadinho, minha unha da mão bem feita, unha do pé, mas pintura essas coisas, jóias nunca gostei, sou bem cafona mesmo [risos]. Foi uma adolescência boa, sempre tive saúde, graças a Deus. Depois que eu casei, fiquei grávida, tive meu primeiro filho, depois tive o segundo, aí tive o terceiro, aí tive o quarto [expressão demonstrando tristeza/sofrimento]. Sofrimento... Não, nunca fui assim para falar: "vou sair, vou passear, vou passar um ano novo em algum lugar", não, nada, nada, nada, professora, dentro de casa. Tive que começar a trabalhar porque ganhava pouco, né? E aí...

Pergunta - Priscila:
Dona Edileuza, ainda lá em Caruaru, como era a vida das crianças, com o que vocês brincavam? Brincavam na rua?

Resposta:
Era! Tinha aquelas bonequinhas de pano [risos], aquelas bonequinhas de pano que eles fazem, aquelas bonequinhas bonitinhas, aquilo era muito bonito, a gente brincava com aquelas bonequinhas, forrava o chão na calçada porque no norte, o povo do norte é tudo casa, aquela vizinhança, aquele amor, aquela amizade, conversa tudo, a gente brincava ali perto, no chão, brincava de jogar pedrinha, bambolê, ah, bambolê eu era firme no bambolê, saltar corda, sabe o que é saltar corda, né? O que mais? Bambolê, saltar corda... jogar pedrinha... esses brinquedos simples, brincar com as bonequinhas e passear um pouquinho na calçada com as bonequinhas de tarde, foi tudo... foi assim.

Pergunta - Luciana:
E com o seu irmão?

Resposta:
O meu irmão não, meu irmão brincava com os amiguinhos dele...

Pergunta - Luciana:
Tem muita diferença de idade da senhora para ele?

Resposta:
Olha minha filha, agora você me pegou, peraí... Eu sou mais velha do que ele seis anos. Eu vou fazer 70 o mês que vem dia nove, ele é mais velho, eu sou mais velha que ele seis anos... Então ele está com...

Pergunta - Priscila:
Meia quatro!

Resposta:
Sessenta e quatro! Eu tinha uma cabeça boa, para fazer conta de matemática... Você precisava ver como eu aprendi, aquele tempo, estava na escola, a gente... Tinha que estudar tabuada. Você sabe o que é tabuada, né? Vinha aquelas tabuadinhas. Do um ao dez, você tinha que estudar tabuada, aprender toda ela e a professora perguntava salteado, é o modo de falar, não sei se você entende o que quer dizer isso, a gente do norte fala assim, vamos supor, chegava na aula de matemática, ela falava, antigo, as aulas não eram como agora, ela falava assim: "cinco vezes cinco, Edileuza", eu já levantava da cadeirinha: "25, professora", "25 noves fora", Panfilho riu tanto quando eu falei isso, ‘Dona Edileuza, a senhora deu uma lição na gente'. [10'] Ele não se conforma, eu estudava tabuada, eu sabia, agora não porque vai esquecendo, eu sabia de um a dez, você podia perguntar ela salteada, nove vezes cinco, quatro vezes cinco, oito vezes cinco, sete vezes sete, pode perguntar com os noves fora que eu dava. Mas foi muito de ficar de castigo, de joelho, colocava caroço de milho para a gente ficar de joelho no chão no caroço de milho, eles eram ruim também na escola. Tinha uma palmatoriazinha que é de tabua, chama palmatória, ela é redondinha, de pau com um cabinho comprido, a gente apanhava na mão... não podia brigar, não podia conversar, eles são muito rígidos, esse povo que não tem amor, sabe? Bom, tudo... fala do norte, tudo, povo nortista, toda raça tem bom e ruim, mas do norte é duro, viu? Eu tive uma infância boa, não posso falar, brincava com meus brinquedinhos, com as minhas amiguinhas, na escola, eu não faltava, era muito estudiosa, eu dei uma lição no Panfilho quando eu vim pra aqui em 2007, precisa de ver, eu não acredito, noves fora, eu faço assim, eu faço uma conta de somar, eu somo, depois que eu somo, eu vou tirar o noves fora, eu ponho um tracinho de lado, vamos supor deu 540, aí eu somo cinco e quatro nove, nove noves fora, nada, eu ponho o zerinho aonde está aquele tracinho, vou somar tudo aqueles números daquela conta que eu somei e tirar o noves fora, tem que dar igual o do que eu fiz a conta se não a conta está errada. Engraçado, né? E dá... Olha, ninguém na matemática, eu estudei muito, eu fui muito... Mas foi boa...

Pergunta - Priscila:
Por quê motivo eles punham os alunos de joelho no milho ou na palmatória? Era palmatória que chamava?

Resposta:
Era palmatória. Era assim, feito de madeira bem redondinha e um cabinho. Dava [gesto mostrando que batiam nas mãos]. Se ficava conversando, se brigava, se não estudava as tabuadas que ela mandava, porque sabe as crianças como que é, né? Fica dando risada e tem uns que não estudam, eu muito, apanhei muito pouquinho, mas eu aprendi tabuada de um a dez, você pode me perguntar de um a dez correto de um até dez de cada uma, uma vez cinco, cinco, uma vez dois dez, uma vez quatro vinte... e você pode perguntar salteada, o Panfilho ficou bobo: "dona Edileuza, a senhora deu uma lição para a gente", para falar como que era as contas que a gente aprendia. Foi uma infância simples, sem, mas estava bem, para mim.

Pergunta - Priscila:
Dona Edileuza e por que seu pai e sua mãe sua família resolveu vir para São Paulo? Como foi isso?

Resposta:
Porque meu pai tinha um colega dele que ele era coronel do Exército. E naqueles anos ele serviu tiro de guerra junto com o meu pai lá. Aí ele foi estudando, estudou e tudo e veio para aqui para São Paulo e ele tinha muita amizade com o meu pai, nossa, você precisa de ver. Era solteiro, ele morava no Brás num apartamento, ele mandou o dinheiro para o meu pai vir para aqui, meu pai veio.

Pergunta - Priscila:
Primeiro?

Resposta:
Não, veio tudo nós, eu, ele, minha mãe, meu irmão, nós dois.

Pergunta - Priscila:
E vieram como? Qual era o transporte?

Resposta:
De ônibus. Aquele tempo tinha pau de arara, lembra? Que eram aqueles que vinham...e ônibus eram dois dias e meio, três. Era um sofrimento muito grande para vim de ônibus.

Pergunta - Priscila:
E a senhora já sabia que a senhora vinha de mudança? O que que diziam para vocês?

Resposta:
Não, porque eu não tinha noção de nada, né? Para onde ele fosse, onde ele me levasse, eu tinha que ir, ele e minha mãe. Aí nós viemos, a gente chegou aqui e minha mãe não estava bem de saúde porque ele se dava com a friagem. Ele foi embora, vendeu a caminhonetinha que ele tinha, vendeu os bancos e calçados para os feirantes da feira, aí foi embora.

Pergunta - Priscila:
Quantos anos seu pai ficou aqui, quanto tempo?

Resposta:
Eita, agora você me pegou.

Pergunta - Priscila:
A senhora já estava casada?

Resposta:
Não, eu vim com ele e com a minha mãe. Eu casei, aí depois que eu casei, eu fui embora. Eu casei dia 18 de janeiro de 1964, quando foi em maio de 1964 eles foram embora. Olha só, você vê como não tinha amor. Você vê, eu já sou diferentes, nossa, eu dou a minha vida pelos meus filhos, adoro. Nossa, que mãe maravilhosa que eu sou, você tem que ver! E foram embora, eles não tinha amor, entendeu? Aí foram embora. Já que eu tinha casado, fiquei [15'].

Pergunta - Priscila:
E como foi a sua chegada aqui em São Paulo? O que a senhora pensou quando chegou? Qual era a rodoviária que chegava, era lá no centro de São Paulo, aquela?

Resposta:
Era no...aí, como é que chamava a rodoviária antigamente? Antigamente era lá no...

Pergunta - Priscila:
Perto da estação de trem, não era?

Resposta:
Isso! Isso! Era ali, era ali. A rodoviária, quando vinha os ônibus tudo do norte, tudo ali.

Pergunta - Priscila:
E o que a senhora pensou sobre São Paulo quando chegou?

Resposta:
Nada, porque eu não tinha noção de nada, sabe? Uma boba...noção de nada. Eu comecei a namorar, você vai morrer de rir. O meu sogro tinha gráfica. Eu cheguei e fui para o Cambuci, lá na Cesário Mota. E antigamente era cortiço que falava, né? Até hoje fala, tinham aqueles cômodos. Então nós chegamos, e alugamos dois cômodos, quarto, sala, cozinha, banheiro, e nós fomos morar ali na Silveira da Mota. No cortiço que a gente morava, naquela vila, aqui ficava a casa do pai dele, e aqui pegado ficava a gráfica. Foi aí que eu comecei a namorar meu marido, não sabia nem namorar, era bobona, ai...senhor Deus. Aí ele veio falar de namoro comigo e eu toda acanhada, coitada de mim, não é? Começamos a namorar. Aí eu falei para o meu pai: ‘olha, ele vem, ele quer falar com o senhor, porque ele quer namorar comigo'. Eu, boba, muito simples...se eu te contar, você vai tirar sarro da minha cara. Tudo bem, aí ele mandou meu marido entrar...ele é bravo...mandou meu marido entrar e falou assim para ele: ‘Olha, só que tem uma coisa, eu só tenho ela de filha mulher. Você vai namorar com ela, eu vou te dar um ano para casar. Outra coisa'. Eu nem lembro mais que dia que namora, era terça, sexta...ai, eu nem lembro mais...aquele tempo parece que era terça e sexta, sábado e domingo.

Pergunta - Priscila:
Tinha dia certo para namorar?

Resposta:
Isso

Pergunta - Priscila:
E o dia da semana que podia namorar?

Resposta:
Era terça, sexta, sábado e domingo para namorar...e lá para dentro da nossa casa, e para conversar com meu pai e com a minha mãe. Aí ele falou: ‘Não senhor Pedro, tudo bem. Antes da gente completar um ano, a gente casa'. E meu sogro tinha uma gráfica pequena, a família dele era mais ou menos, né? Aí tudo bem. Aí ele falou: ‘Olha, a regra na minha casa é assim, você não sai com ela para lugar nenhum, o dia de namorar você vai ficar aqui conversando comigo, ela, a mãe dela, e eu. Na hora que você vai embora, ela não vai com você até o portão. Meu pai que ia, ou meu irmão'...e ele aceitou, porque ele tinha que casar, né? Eu tinha que casar, foi meu primeiro namorado. Não conheci outro homem, nunca tive namorado, e no _____, em tudo. Aí vinha, ficava conversando, meu pai falava sobre o povo do norte...aquele tempo que conversava, e ele olhava, tinha um despertador em cima do rádio, e ele olhava. Quando era nove horas em ponto, ele levantava, se despedia da minha mãe, do meu pai e de mim, e dali onde eu estava professora, eu ia para o quarto dormir. Meu pai que ia com ele até o portão. No dia que foi para a gente casar, até no dia que foi para casar, para levar os convites, nós não íamos sozinhos mostrar a casa, porque ele não deixou, você acredita uma coisa dessas? Nunca, casei tão simples, tão simples na minha vida. A gente para dar um beijo, nas escondidas, sabe? E eu tinha medo dele, quem disse que eu encostava nele, ficava bem de longe assim, sabe? Olha, eu acho que não tem ninguém que namorou que nem eu. E às vezes de noite, eu estava deitada e não estava dormindo. Meu pai ficava nas calçadas, andando para lá e para cá, ficava olhando os namorados, né? E minha mãe chamava Laura, aí falava assim: ‘Você viu, Laura? Estavam assim, assim e assim. Olha se eu deixo ela sair com ele'. Eu escutava tudo, mas ficava quietinha, né? Eles contavam como estavam fazendo na rua, como estavam namorando, e eu escutando. Ai, ficava bem quietinha. Eu nunca encostei no meu marido. Parece mentira, né? Nunca, beijava, beijava de lado. Não inventava de sair para lugar nenhum. Uma vez eu fui no cinema com ele, fomos junto com o meu irmão, e meu irmão nem ficava olhando o filme, era assim, olhando na minha cara e na cara dele. [20'] Mas ele era muito simples, sabe? É que ele tinha que casar, né? Você precisava de ver. E meu marido era bonitão...assim, ele não era bonito, ele era alto, 1,75m, bem encorpado, bonitão. Ele ia em baile, ele dançava. Naquele tempo, tinham aqueles bailes, aqueles sapatos. Quando eu comecei a namorar com ele, você tinha que ver as roupas que ele ia no baile. Aí começou a namorar comigo, largou de tudo. Tinha que ser, né? Eu tinha que casar, não ia adiantar nada. E foi assim, meu casamento, nunca encostei naquele homem, aí meu Deus, que vergonha! No dia que casamos, na lua de mel, mas o que que eu ia fazer? Eu tinha sido criada assim, não conheci ninguém que foi criada assim.

Pergunta - Priscila:
E depois a senhora ficou 53 anos casada com ele?

Resposta:
Cinquenta e três anos casada. Cinquenta e três, professora.

Pergunta - Priscila:
E foi um companheiro?

Resposta:
Foi... é 53, né? Porque eu casei dia 18 de dezembro de 1964, quer dizer que agora, dia 18 de dezembro de 2017 faz 53 ou 52?

Pergunta - Priscila:
A senhora que é boa de matemática.

Resposta:
Eu era boa, mas agora acabou.

Pergunta - Luciana:
A senhora casou com quantos anos?

Resposta:
Dezesseis.

Pergunta - Luciana:
E ele tinha quantos anos?

Resposta:
Vinte e um. Ele era mais velho do que eu cinco anos.

Pergunta - Priscila:
Como era o trabalho dele de gráfico nessa época?

Resposta:
Quem, meu marido?

Pergunta - Priscila:
É.

Resposta:
Ele trabalhava na gráfica que o pai emprestou, de máquina.

Pergunta - Priscila:
E o que que fazia? Porque hoje em dia a gente nem conhece mais isso.

Resposta:
Cartão de visita, cartão de casamento, de bodas de ouro, bodas de prata, esses cartões, que agora as gráficas estão todas caindo, né? Agora é tudo pelo computador, né?

Pergunta - Priscila:
Aí mexia com os tipos, montava essas coisas, igual o jornal?

Resposta:
É, tinha aqueles...que nem um álbum, de bastante jeito, né? Do jeito que você queria escolher aquele cartão, você escolhia 1.000, ou que fosse 100, 50, e eles faziam.

Pergunta - Priscila:
Dona Edileuza, os gráficos eram uma categoria de trabalho muito organizada. O seu marido participava de greve do sindicato, dessas coisas?

Resposta:
É, não...

Pergunta - Priscila:
Ele participava?

Resposta:
Não, não...meu sogro sim, que era o dono da gráfica, né? Ele sim.

Pergunta - Priscila:
Porque tinham as greves dos gráficos naquela época, a senhora lembra disso?

Resposta:
Lembro, muitos anos, né?

Pergunta - Priscila:
Interferia na sua casa isso?

Resposta:
Oi?

Pergunta - Priscila:
Interferia na sua vida, no modo da sua casa, ou a senhora não acompanhava

Resposta:
Não, não...

Pergunta - Priscila:
A senhora não via ele entrar em greve, ele nunca entrava?

Resposta:
Não, porque era do pai, né? O meu sogro resolvia tudo.

Pergunta - Priscila:
E o que faz a senhora se mudar para a região do ABC?

Resposta:
O que?

Pergunta - Priscila:
Por que que a senhora veio aqui para a região do ABC? A mudança de casa?

Resposta:
É, porque quando...espera aí um pouco...quando nós saímos do Cambuci, ele arrumou uma gráfica para trabalhar aqui na Amazonas, na gráfica Paraíso, que até agora fechou, né? Aí nós mudamos para aqui. Eu morei um pouco na José Benedetti, eu morei...na Maranhão, em frente ao antigo Tiro de Guerra, você lembra? O Tiro de Guerra, que tem um grupo 31 de março. Morei ali, na José Benedetti, aí fui morar na Amazonas. Aí da Amazonas eu aluguei esse sobradinho, fui morar em Utinga. Aí lá morei 12 anos. Aí quando foi em 2004, eu comprei esse apartamento. Agora em dezembro vai fazer 13 anos que eu comprei.

Pergunta - Priscila:
Mas dona Edileuza, o seu marido então teve que fechar a gráfica do pai e vim trabalhar na gráfica de outra pessoa?

Resposta:
É, foi trabalhar de empregado.

Pergunta - Priscila:
Por quê? O que aconteceu?

Resposta:
Porque o velho vendeu a gráfica, né? Acabou.

Pergunta - Priscila:
Seus filhos tinham quantos anos quando a senhora veio para cá?

Resposta:
Quem?

Pergunta - Priscila:
Seus filhos. Ou a senhora não tinha filho ainda?

Resposta:
Não, não...

Pergunta - Priscila:
Quando a senhora veio para São Caetano, na rua Amazonas, ou na José Benedetti?

Resposta:
Ah sim! Não, meus filhos já estavam moços. Já estavam todos mocinhos, tinham 16, 18 anos...acho que os meninos já tinham. Eu casei com 16, olha...com 17 eu tive o primeiro, com 18 eu tive o segundo, com 19 eu tive o terceiro. Aí quando eu tive o terceiro, o Toninho, Antonio ele chamava, mas ele já faleceu. [25'] Quando ele completou 10 anos e meio, aí eu fiquei grávida, que é esse último que eu tive, que foi o Marcelo...eu tive o Marcelo eu estava com 29 anos. O Toninho já estava com 10, 10 anos e meio. Aí eu fiquei grávida, porque eu não queria mais, já chegava os três, já estavam trabalhando e tudo. Aí tive o Marcelo, que é esse que é solteiro e mora comigo. Ele já vai fazer 41 agora, dia 08 de julho ele faz 41 anos.

Pergunta - Priscila:
Quatro homens!

Resposta:
Quatro homens. Não tive nenhum mulher. Eu adoro uma menina, aí quando eu ficava grávida, eu pensava: ‘Ah meu Deus, me dê uma filha mulher', mas não tive...

Pergunta - Priscila:
Como era a casa com quatro meninos? Três, e depois quatro?

Resposta:
Os meus meninos sempre foram meninos quietos, educados, nunca me deram problema. Na escola, eles iam para a escola, nunca tive reclamação de professora, no dia que tinha reunião, aí eu vinha muito contente, muito feliz. Eles faziam a liçãozinha, eles eram estudiosos. Não eram meninos de rua, brincavam com os brinquedinhos deles, do jeito que eu podia comprar, brincava ali dentro de casa, no chão. Às vezes eu saía, ia no mercado comprar alguma coisa, deixava eles vendo televisão sentados lá na sala, quando eu chegava estava um dormindo encostado no outro, era uma graça. Às vezes tinha gente que perguntava para mim se eu não tinha filho, nunca me deram problema, nunca...meninos assim simples, né? Porque não iam para lugar nenhum... não tinha como levar...meu marido também não levava. Fizeram todos até o primário, aí foram trabalhar. Com 14 anos tiraram... que aqueles anos com 14 anos já tirava a profissional, e começavam a trabalhar, que era coisa boa. Agora acabou, você vê? Tiraram, por isso que está essa marginalidade tão grande no mundo, né? Pelo governo fazer isso. Tirou do mercado, de colocar as coisas dentro da sacolinha, né? Não tem mais, depois cortaram tudo, né? Aí virou o que está hoje, a criminalidade. A maior parte é tudo droga, é roubar, é matar, é isso que querem hoje.

Pergunta - Priscila:
Dona Edileuza, vamos nos lugares que a senhora trabalhou antes de chegar aqui. A senhora trabalhou...cadê a ficha para a gente lembrar?

Pergunta - Luciana:
Está ali atrás.

Resposta:
Eu trabalhei no Hospital São Caetano...

Pergunta - Luciana:
Mas a senhora teve o primeiro filho com 17, não foi?

Resposta:
Não, minha filha, espera aí. Olha, eu acho que eu tive com 16. Não, espera aí, eu casei dia 18 de janeiro de 1964, quando foi dia 12 de dezembro de 1965, eu tive o primeiro.

Pergunta - Priscila:
1965, então seu filho mais velho está com 52?

Resposta:
É. O segundo com 51. O terceiro com 49, já vai fazer 50, né? E dois morreram. Eu tenho dois.

Pergunta - Priscila:
É, o segundo e o terceiro faleceram?

Resposta:
Morreu o primeiro e o terceiro.

Pergunta - Priscila:
O que aconteceu com eles?

Resposta:
Eles morreram com problema no coração, os dois.

Pergunta - Priscila:
Adultos?

Resposta:
Isso já é de família. Esse mesmo, o Marcelo, é dependente desde que nasceu, é doente, problema no coração, fez cateterismo, não pode operar porque o problema dele do coração não pode operar. Tem problema em uma das vistas, está quase cego, vixi, você precisa ver o sofrimento que eu tenho com esse menino desde que nasceu. É dependente meu e é meu anjo da guarda, esse moço. Quando eu vinha trabalhar, ele que cuidava do pai, deixava a sopinha do velho feita, as coisas tudo em ordem, a comida para ele, que eu sempre fui aquela mãe, né? Quando eu chego, e vejo que não tem almoço para eles, eu já faço almoço para eles. De noite, que eu vou dormir 23h30, meia noite, vinte para meia noite, mas eu já acostumei a trabalhar assim, né? Sempre cuidei deles direitinho. E tem um que está junto com uma mulher...é solteiro, né? Mas já está há uns 25 anos, mora aqui em São Caetano.

Pergunta - Priscila:
E os seus netos vem de quem? Os netos?

Resposta:
Tem um que eu crio, desde que nasceu. É filho do primeiro meu, que morreu solteiro, que é o José, eu crio ele. Agora dia 14 de março ele fez 28 anos. E o outro está com a mãe, que era esposa do Toninho, mora em São José, está lá com a família dela. Então eu estou com o Marcelo e esse neto que eu crio. O meu velho que foi, agora ficou só nós três, e um cachorrinho que eu peguei para criar [30'].

Pergunta - Priscila:
Naquela JB Duarte, naquela fábrica de azeite, foi seu primeiro emprego aqui em São Paulo?

Resposta:
Não, foi no Hospital São Caetano, você conhece bem São Caetano? Olha...como é o nome daquela avenida? Onde tem a padaria Ben Hur, aqui na Vila Paula...

Pergunta - Ileane:
Visconde...

Pergunta - Priscila:
Visconde de Mauá...não, Visconde de Inhaúma.

Resposta:
É, aí atravessando desse lado, é numa descida. Esse hospital é do Hospital São Caetano, que estavam construindo ainda quando eu comecei a trabalhar lá. Não sei se tinha, né? Porque agora o São Caetano fechou, não sei se lá fechou também, era Hospital Clínica São Caetano. É um nome tão bonito da rua, mas eu esqueço, foi meu primeiro emprego ali. Eu trabalhava de limpeza. Eu sempre fui assim, ativa para conversar, agora não que eu estou ficando velha, problema, doença, então a gente vai...mas nossa, eu era muito ativa, as que trabalhavam comigo de limpeza, era tudo de longe, não sabiam ler, eram quase tudo analfabetas... Às vezes precisava de remédio para as pessoas, para uma criança que estava na UTI do hospital, e o motorista chamava Pedro. Aí eu vinha com o Pedro na ambulância pro hospital Pompéia, que fechou, né? Eu ia no hospital Pompéia...eu ia...nesse que tem aqui, como é que chama...ai, que tem uma fama muito grande agora, que é ali perto da favela...

Pergunta - Priscila:
Heliópolis?

Resposta:
Isso! Do Pompéia lá, eu ia em outros hospitais, eu ia com o Pedro na ambulância, com a ficha na mão, eu entrava já ia direto na farmácia, já via os remédios que tinham mandado pegar, já assinava tudo. Sempre fiz, você tinha que ver, sempre naquela alegria. Eu sempre fui ativa assim, sabe? Aí eu fiz um curso para trabalhar de telefonista, que aquele tempo era chave, pega e PABX, lembra do chaves qual que era? Era um aparelho desse tamanho [sinaliza com a mão], parecia um piano, que era cheio daqueles fios pretos, parecia...a professora chegou a conhecer?

Pergunta - Priscila:
Acho que não...mas eu sei o que é.

Resposta:
Eu fiz os três, aí comecei com problema no ouvido, e não pude trabalhar. Nossa, quando eu entrei lá no I, que a Vera...foram 19 mulheres para entrar no IMES, 19. Mas era para mim esse emprego. Ela mandou me chamar, me entrevistou, eu passei na entrevista, aí o Dr. João já trabalhava lá oh, quando eu entrei, hein? Em 1987 já era médico nosso aquele lá, o João é velho lá. Ele era bonitão, novo, você precisava de ver. Passei, fiz meus exames, passei em tudo, graças a Deus, agora a gente vai ficando velha, vai ficando aqui, né? Mas eu tinha uma saúde de ferro, aí eu comecei a trabalhar, meus primeiros cinco anos do IMES, eu trabalhava de manhã...eu trabalhava de manhã. Quando a Vera foi me entrevistar, tinham 19 mulheres. Ela estava me entrevistando, e aí quando eu falei para ela que tinha feito o curso de telefonista, porque ela gosta, né? Ela é danada, ela taca você em um canto, taca você no outro canto. Sabe aquele jeitinho dela? Você tinha que cobrir, ali era assim. Eu não, porque aí eu me dediquei mesmo só na copa, nunca peguei 15 dias de férias, desde o dia que eu entrei no IMES, desde 1987, sempre foi 30 dias. Por quê? Porque eu só poderia sair de férias nas coletivas do fim do ano, quando é dia 20, 21, né? Aí ei saía, dos cinco anos, eu saía no dia 02 de dezembro, voltava dia 02 de janeiro, para a Maria, vamos dizer, era a chefe, mas ela não fazia nada, não lavava uma garrafa, ela não limpava fogão, deixava tudo uma sujeira e servir a diretoria, sabe? Mas eu me dava muito bem com ela, trabalhei com ela 16 anos, um amor. Sempre me dei bem com ela, e eu era quem fazia tudo. Lavar aquelas panelas, que antigamente eram aquelas panelas [sinaliza panelas grandes com as mãos] redonda de alumínio, ai...[cobre o rosto com as mãos]. Acabei com as minhas mãos, olha as minhas mãos, acabei com os meus dedos, dedos todos tortos...eu tenho reumatismo, bico de papagaio, desgaste nos meus 10 dedos, e fui fazendo fisioterapia, tomando remédio. Tenho problema aqui [encosta nos ombros], nos braços, preciso fazer uma infiltração nos braços, subi e desci muito aquelas escadas dos quatro prédios, três garrafas de café dessas de inox grande, a professora viu isso, você lembra [35']. Três em uma mão, três em outra, subia, parecia uma enceradeira elétrica. Eu sempre tive saúde, eu sempre fui esperta, trabalhadeira, agora a Vera? A Vera me adora, nossa, quando ela estava me entrevistando, ela pôs a mão no coração e falou assim: ‘Dona Edileuza, tudo toca no meu coração que a senhora vai ser uma pessoa ideal para trabalhar na copa'. Aí eu falei: ‘Mas por quê?'. Ela falou assim: ‘Eu já estou cansada. Eu arrumo uma pessoa para trabalhar na copa, não fica dois meses, eu tenho que mandar embora. Eram porcas, eram sujas, não faziam o serviço direito, não se davam com a Maria'. A Maria é muito boa, eu tenho amizade com ela até hoje, nunca discuti, falava assim, porque ela me chama de Edineuza, ‘Edineuza, vamos fazer isso assim, tirar isso daqui da copa, colocar aqui'. Aí eu falei: ‘oh Maria, para mim, do jeito que você quiser pôr as coisas, você pode pôr. Não precisa se preocupar, não precisa perguntar nada para mim. Do jeito que você fizer, para mim está tudo bem'. Então, como ela só servia a diretoria, nossa...então eu me dei muito bem com ela, é por isso que não parava gente lá. Aí ela pôs a mão do coração, falou. E os anjos disseram amém. Ela me adora, ela tinha uma confiança extra...a Vera era assim, ela foi chefe minha por seis anos na Copa. Nunca essa mulher me chamou a atenção para nada. Do jeito que ela me ensinou, eu fazia tudo. Tudo, eu era quem pedia fruta, eu era quem pedia prato, eu era quem pedia a sobremesa, tudo nas minhas mãos. Frios, todo dia, por isso que eu acabei minha mão e meus ombros, todo dia eu cortava uma peça de presunto, uma de queijo prato, duas de salame, uma de mortadela...olha que é frios, hein! Para eu servir a tarde e para deixar para de manhã. Tudo eu fazia...às vezes eu estava cortando frios e ela chegava de fininho. ‘Oi Edineuza, tudo bem?', eu falava: ‘Tudo bem, Vera'. Aí tinha dia que eu brincava e falava: ‘Ah, o que você vem ver aqui, veio olhar se eu estou cortando as coisas direito?' Aí ela: ‘Edineuza!'. Aí ela vinha, passava a mão no meu rosto e me abraçava. ‘Edileuza, pelo amor de Deus, sabe por que eu vim aqui? Eu vim aqui comer uma fatia de salame'. Mas eu já sabia, sabe? Eu falei: ‘Não, pode comer. Não precisa nem pedir'. Aí ela ia, pegava com a espátula, uma para ver se eu estava cortando da finura. Ela, oh [gesto de mão fechada], aquelas rebarbas, que sempre sobra rebarbas, né? As crianças eram pequenas, elas me autorizavam a levar, eu fazia omelete. Aí depois foram crescendo, começaram a trabalhar, aí não quis. Aí eu dava para as meninas da limpeza. Quando sobrava pão, tudo com ordens que elas tinham me dado. Ela falou que nunca tinha visto uma pessoa tão prestimosa como era eu, ela me adorava. Nunca ela me chamou para reclamar de nada, que eu tratei mal professor, que eu tratei mal...tudo, as rebarbas que sobrava, ela vinha olhar à noite. ‘A rebarba que sobrou hoje, Edineuza?'. Aí eu falava: ‘Está aqui nessa Tupperware'. E ela olhava tudo direitinho. Tinha que cortar as fatias direitinho, fazer os lanches bem feitinhos... me adoravam, porque eu fazia tudo direito, fazia tudo com amor, com carinho, estava sempre sorrindo, sempre feliz. Eu trabalhei 20 anos naquela copa de segunda a sábado, menina. Não é brincadeira. Às vezes tinha domingo que tinha evento, e no começo, o Ferrante, aqueles antigos, Laurito, que queriam ganhar mais dinheiro, que estavam no começo ali, porque era Escola Municipal de Ensino Superior de São Caetano do Sul quando eu entrei em 1987, e eles estudavam, faziam cursos e mais cursos, para progredir pro IMES, e subiu, né? Então faziam muito evento de domingo, de feriado, e ela vinha: ‘Edineuza, é do Ferrante hoje...Edineuza, é do Laurito, de não sei de quem lá'. Hoje é tanto professor. Aí eu falava: ‘Está bem, Vera, eu faço'. Eu deixava de fazer minhas coisas em casa e eu vinha, eu precisava trabalhar, eu precisava ganhar meu pão, eu tinha os quatro meninos pequenos ainda, né? Eu precisava trabalhar, né? E eu vinha, ela toda sorrindo para mim, e ela me adora. O Gilberto então, eu não podia faltar no concurso dele, porque eu tinha que cortar os frios. Às vezes a gente ia para longe...Mauá, Ribeirão, Franco da Rocha, não sei para onde. A gente ia naquelas escolinhas, que era aquele barro vermelho, que para você subir, tinha que subir aquelas escadinhas de barro que é capaz de cair. Você precisava de ver...era longe, precisava ganhar dinheiro, é onde que subiram, né? Eu tinha que já deixar os frios cortados, na sexta-feira, as Tupperware tudo cheia. Nem panela tinha, eu tinha que levar tudo, meu, da copa, tudo. O motorista, você chegou a conhecer o Zé motorista? Que era o motorista do Marco Antonio, o Negão [40']. Você lembra dele? Nossa, que lindo. Senhor Zé que me levava, quando era vinte para as cinco, se fosse no sábado ou no domingo, eu tinha que estar lá para arrumar todo o carro com aquilo para o Zé levar eu. E quando tinha um concurso público? Não, esse que fala no fim do ano, professora, como é que é? Vestibular! Ah! [leva as mãos na boca e bate palmas]. Aquele tempo, era sábado e domingo. No sábado, vinte para as cinco eu tinha que estar dentro do IMES, e vinte para as cinco da manhã no domingo [cobre o rosto com as mãos]. Era sessenta, setenta lanches...Ah, acabei minhas mãos tudo com...no muque, cortar os pães para fazer misto frio, era 60, 70 lanches, café, chá, café doce, sem açúcar, chá doce, chá sem açúcar, e depois eu punha os copinhos. A gente tinha um aventalzinho, era daquele de tergal azul clarinho, a coisa mais linda. Aqueles biquinhos branquinhos com bolsinho. Eu botava um de café e o de água. A garrafa na mão pesada, aquelas de inox grande. Uma de chá, e uma de café. Chegava lá, você estava aplicando a prova, né? Aí eu batia, você abria a porta, e eu: ‘Professora, está servida café ou chá?'. Aí você fala para aquelas que ficam ajudando vocês...monitoras que fala, né? Perguntava o que ela queria. Acabava aquela garrafa de café ou chá e eu descia aquelas escadas todinha. A copinha...professora, onde que é agora esse...de computador, que é do Mário, do professor Mário...

Pergunta - Priscila:
Aqueles embaixo da quadra ali?

Resposta:
A copinha minha era ali. Cinco anos ali. Subia e descia aquelas escadas, subia e descia aquelas escadas. Aí depois fizeram aquela copa grande, na sala dos professores. Eu também que inaugurei, porque eu ficava lá copa, mas eu trabalhei muito ali, trabalhei...mas era tão gostoso, a gente tinha saúde, era aquela alegria. As festas do fim do ano, quando não fazia jantar, fazia almoço. Quando eu entrei lá, era no Padoveze, no buffet do Padoveze. Nós fazíamos lá, era muito gostoso. Você fazia aniversário, aqueles vasos bonitos de louça, marrom, vermelho, rosa, azul, aquelas flores lindas, aquela floricultura que eu não sei como chama, que era pegada no IMES. Aquela mulher enricou ali. Nossa, você podia estar doente em casa, você podia estar de férias, vinha seu cartão elogiando você pelo aniversário, e o buquezinho, você tinha que ver que coisa linda. Aí depois vai mudando tudo. Aí tiraram, era muito gostoso. Fomos no Para Pedro, nós íamos no Para Pedro, no Padoveze, aí começou no Demarchi que fala, né? Em São Bernardo, aí já era universidade. Ali no grill que a gente ia, no Vivano. Era muito gostoso, quando não era almoço, era jantar. Quando era no fim do ano, eles faziam, antes da gente sair de férias, vinha um buffet servir na sala dos professores, aquelas mesas, eu tinha que juntar, forrar aquelas toalhas brancas de mesa, ai [tampa o rosto com as mãos], café doce, café amargo, chá...nossa, era muita coisa, aquelas caixas de fruta gostosa. O Zé cortava aqueles melões daquele tamanho que pareciam um açúcar, aquelas uvas pareciam um açúcar, aqueles anos...foi muito gostoso. Aí fazia amigo secreto, em outubro. Todo mundo, era aquela alegria, aquele amor, você não via falsidade, você não via ninguém com o nariz empinado, querer ser mais do que o outro. Antigamente era diretor, vice-diretor, passava, abraçava, beijava você, cumprimentava. Aí a gente fazia o amigo secreto, você podia tirar o diretor, ele poderia tirar você, aquela alegria, você precisa de ver. Era gostoso, era aquela união, aquela paz, aí depois foi mudando tudo, aí vai, né? Mas foi muito gostoso, eu adorei. Fiz muito café, muito chá, nossa. Que mais que você vai querer perguntar, minha filha?

Pergunta - Priscila:
Nós vamos querer perguntar, mas deu a hora do remédio [pausa para tomar remédio]

Resposta:
Mas foi muito gostoso.

Pergunta - Priscila:
Podia perguntar um pouco sobre o prédio, aí depois entrar pessoas. Vamos continuar falando do IMES mais um pouquinho?

Pergunta - Luciana:
Como que a senhora entrou aqui na USCS, começou a trabalhar?

Resposta:
Como? Eu trabalhava na JB Duarte, e quando eu saí, eu fui receber meu dinheiro em um banco que tinha...eu descia na estação do Ipiranga e descia uma rua que tinha, aí tinha o banco lá que eu esqueço o nome. Fui receber o dinheiro das minhas contas [45']. Quando eu volto, tinha uma imobiliária assim de lado. Aí eu vi a placa, eu sai para receber do banco, aí eu falei: ‘Deixa eu olhar para ver se tem algum serviço aqui, aí eu olhei e tinha uma placa para longe, tinha que pegar trem e metrô. Mas aí eu fiquei com medo de ir para longe. Aí vi essa do IMES, que estava precisando, aí falei: ‘Então vou lá'. Aí fui, cheguei lá, perguntei se estava precisando, eu dei meu nome, aí ficou lá meu nome. Aí mandaram eu aguardar a chamada. Quando foi com cinco dias que eu tinha feito a ficha lá no IMES, ali na Amazonas, eu morei perto do (Bado Álvaro), você conhece ali? Subindo na Amazonas? Porque o começo da Amazonas é aqui na estação. Subindo, bem na metade, antigamente era um cinema grande bonito, que agora esqueço o nome. Agora não tem mais nada. E, de lado assim, era do (Bado Álvaro). Eu morava numa casa que ficava no fundo, quando ele abria a janela do restaurante, dava na minha janela da cozinha, do quarto, da sala, tudo ....naquele tempo, a gente não tinha telefone, telefone tinha quem tinha dinheiro, né? Aí ele me deu um número e falou: ‘Dona Edileuza, pode me dar o número do telefone'. Aí eu deixei com a Vera a ficha quando fez, aí fazia cinco dias, ela mandou eu aguardar a chamada, que ela ia ver. Aí quando ela me entrevistou, ela falou: ‘Com você, são 19 pessoas. Mas eu acho que é você que vem trabalhar comigo, porque tu toca o meu coração, você é a pessoa ideal para essa copa', e eu disse: ‘Amém'. Aí era para mim aquele serviço. Com cinco dias, era meio dia, eu estava fazendo almoço, aí o senhor Álvaro foi lá e falou: ‘Dona Edileuza'. Aí eu falei: ‘Oi senhor Álvaro'. ‘Dona Edileuza, a dona Vera do IMES ligou, para amanhã duas horas da tarde, a senhora ir lá para ser entrevistada'. Aí eu falei: ‘Está bom'. Ai, eu fiquei tão feliz que eu tomei banho, me troquei e fui. Eu cortava o cabelo bem curtinho, minhas unhas bem arrumadinhas, minha sobrancelha bem fininha. Aí fui bem arrumadinha, aí quando chegou lá, ela me entrevistou, e me perguntou se eu poderia trabalhar de manhã, eu entrava às sete e ia embora às vinte para as quatro da tarde, e trabalhava de sábado. Aí eu falei: ‘Tudo bem'. ‘Se por um acaso precisar trocar o horário e a senhora voltar para trabalhar a noite'. Aí eu falei: ‘Tudo bem, Vera. Não tem problema. Eu preciso trabalhar, não tem problema.'. Eu era nova, nossa, você tinha que ver. Aí tudo que ela perguntou, eu concordei porque eu podia, tinha saúde e eu tinha que trabalhar. Aí trabalhei cinco anos, depois de cinco anos, ela me chamou na sala dela e falou que a Maria estava muito cansada, com dor no braço, ela só cortava frios e servia. Aí dona Edileuza foi fazer tudo. Tudo...mas tudo bem, graças a Deus. Eu falei: ‘Tudo bem, Vera'. Aí eu entrava... eu trabalhei lá 20, com 10 que eu estou aqui, vai fazer 30 em setembro. Eu trabalhei cinco anos de manhã. Quinze eu trabalhei, eu entrava uma e meia da tarde e saía nove e trinta e seis da noite, de segunda a sexta. Ela é uma moça velha, solteirona e doente, como ela faltava, eu, como não era de briga, tudo que ela falava, eu: ‘sim, está bom'. Eu precisava ganhar meu pão. Ela faltava toda semana dois, três dias. Tinha um problema gravíssimo no intestino. Era demais, eu não aguentava. Eu entrava uma e meia da tarde, saía onze e vinte, onze e quinze da noite. Ela entrava vinte para as duas e saía às onze, nove e 36 eu saía. E para servir o Marco Antonio? E no dia que ele estava com as bolas viradas, ai...às vezes eu estava acabando de deixar tudo limpo, tudo lavado para a outra que entrava de manhã, quando eu sai e fui à noite. Eu tinha que deixar tudo lavado, tudo limpinho, frios cortados. Era dez para as onze, que era o horário que a outra saía, ele ligava o telefone: ‘olha professor, não estou ouvindo'. Ele gritava, às vezes ele berrava, e eu falava: ‘Agora o senhor não falou alto, você berrou, porque está me doendo o ouvido'. Olha, eu sou muito boa, mas tem que saber lidar comigo, porque se não. [50'] Aí ele dava risada: ‘Leia para mim os cardápios dos pratos congelados que a Maria do Joaquim'. Você conheceu o Joaquim, né? Maravilhoso, era bolo, era tudo. E quando tinham aquelas festas, todo sábado, né professora? Você chegou a ver esse tempo. Todo professor e professora que fazia aniversário nesse mês agora de março, faziam uma festa tudo junto. Menina, em um sábado, para juntar aquelas coisas todas. Antigamente, eram aquelas garrafinhas que você abria com coiso, aquelas tampinhas, e para deixar aquilo tudo limpo. Trabalhei ali, viu? Era aquela festa, aquela alegria, mas tudo bem. Foi tudo coisa gostosa, tempo bom que eu passei. Não aproveitei mocidade, mas aproveitei bastante lá, aí eu fui em restaurante, aí eu fui conhecer bastante coisa lá porque eu estava trabalhando. Então, aí ela me entrevistou, e eu fiquei trabalhando a noite. E ela vinha, faltava, aí ela vinha: ‘Edineuza'. Ela vinha com um sorriso para mim. Eu falava: ‘Ah Vera, eu já sei o que você vem falar para mim'. Era na segunda-feira. ‘A Maria não está bem, o João deu três dias para ela. Eu falei: ‘Tudo bem'. Pagavam o extra, tudo direitinho, tudo correto. Nunca atrasaram o pagamento. Olha, nosso adiantamento é dia 14, se dia 14 cair no sábado, dia 13 já está na nossa conta. Dia 28 vai cair no sábado, sexta-feira dia 27 já está na nossa conta. Correto, em tudo, em tudo, em tudo. É difícil, né? Vai fazer 30 anos, e nunca atrasaram. Muito correto, em tudo. Aí eu falava: ‘Está bom, Vera, eu fico'. Aí eu ficava. Trabalhei bastante, viu professora? Foi isso mesmo que me desgastou muito. Agora estou com um problema gravíssimo na perna também, estou com artrose, com desgaste nas juntas, parece que vai ter que operar, mas eu falei para ele que não vou operar não, eu vou fazer tratamento. Mas tudo bem, trabalhei com muito amor, muito carinho, com os professores, era muito gostoso, o meu réu...esse você conheceu, né? Muitos professores que já morreram, outros que já saíram, era muito gostoso...

Pergunta - Priscila:
A senhora que falar um pouco deles? A senhora falou de alguns, quer falar de mais alguns que a senhora lembra? Professores, funcionários...

Resposta:
O (Boizão), esse você não lembra, ele chamava (Boizão) o sobrenome dele. Era um professor gordo, mas ele já estava na cadeira de rodas quando eu entrei lá. Nossa, ele comia, ele se babava. Eu ia lá com aquele amor, aquele carinho, com o guardanapo de papel, eu ia lá limpava ele, limpava a boca dele. Nossa, precisava de ver. Eu tratava eles tão bem, fui bem tratada. A Vera me adora, né? Quando foi para vim para cá, ela falou: ‘Edineuza, eu vou mandar você para o campus II'. Aí eu falei: ‘Por que, Vera?'. ‘ ‘Vai ser a entrevista do campus II, e eu quero que você vá lá para a copa. É a única pessoa que eu confio para pôr lá, e eu fui'. Eu fiz 30 anos, nunca entrei atrasada. Nunca, por mim mesmo. Até agora, não tenho mais o que me incomodar com nada, porque agora...aquele jeito sempre agitada, correndo, para não entrar atrasada. Meu pagamento vinha limpinho. O Marco Antonio me adorava, tinha ódio de quem chega atrasada, de quem falta bastante. Eu, não. Estava me dando problema nas mãos, trabalhava com dor, garrafa pesada. Eu só ia no médico quando eu não estava aguentando. Foi uma coisa errada que eu fiz, mas já era de mim mesmo. Mas sempre fui correta em tudo. Quando eu entrei no IMES, em 1987 era o Silvio Minciotti, que era o diretor, ele que foi meu diretor ainda. Depois ele saiu, aí entrou o Moacyr Rodrigues. Aí o Moacyr Rodrigues saiu porque foi entrar nesse negócio de eleição, entrou o Marco Antonio. Aí o Marco Antonio saiu, entrou agora o Silvio de novo, né? Aí o Silvio saiu, e entrou o Bassi. Tudo para eles são ótimos, para mim, nossa, me abraçam, me beijam, onde me encontram, professores que nem o Biffi, onde me encontram, você precisa de ver. O Panfilho quando foi para me tirar da copa, que eu fui para a biblioteca. Trabalhei bastante, ajudei as meninas. Eu cortava aqueles...encapava os livros, carimbava, mas aí começou a me dar muita dor, muito problema, que nem aqui mesmo. Aqui quando eu vim, depois que eu sai daqui, da fisioterapia, eu estava picotando prova na sala dos professores. Nossa, as professoras de Direito me adoram, a Rosana: ‘Ah, dona Edileuza', aquelas provas de Direito, aquelas caixas, e eu pá pá [faz gestos de embalar alguma coisa]. Toda a vida eu fui assim, o professor Paulo: ‘Dona Edileuza, faz mais devagarinho', mas é o meu jeito, aquela coisa, para dar conta de tudo, né? Então começou a me dar muita dor, muito problema, aí eu passei no ortopedista, aí ele me proibiu para trabalhar em nada mais, né? [55'] Então agora eu fico assim, eu vou para a fisioterapia, fico com as meninas lá um pouquinho, ajudo a fazer alguma coisinha quando eu posso. Meio dia, eu vou almoçar, uma hora eu volto, aí eu fico na sala dos professores com a Cida e com a Inês até cinco e meia. Eu almoço, o professor Paulo fala para mim: ‘Almoça devagar, não tenha pressa'. Aí às vezes eu passo, _________, uma hora passo o cartão, e fico lá sentadinha chupando uma fruta, comendo uma sobremesa, a hora que eu tenho fome eu como. Se estou cansada de ficar lá em cima, eu pego o elevador e vou lá na frente, sento naqueles banquinhos brancos. Fico sentada olhando quem entra, olhando quem sai. Aí eu estou cansada, vou um pouquinho nas meninas da fisioterapia, elas falam: ‘Vem, vem aqui'. Querem que eu fique lá. Aí eu falo: ‘Não, pelo amor de Deus'. Eu já fico lá um pouco e vou...é bom a gente ser querida, né? Nossa, muitos professores de Direito, que nem a Ester, filha do professor (Emédio) nossa, ela é uma bênção, aquela menina. Ela estava estudando e falava para eu fazer lanche para ela. Aqui mesmo no II se você vier. Muitas professoras de Direito: ‘Ai dona Edileuza, meu lanchinho'. Garé, nossa o Garé é um amor. Professor Gianello, a Delci, tem essa que está aqui agora...a Neuza, a Neuzinha está trabalhando com ela?

Pergunta - Priscila:
Com a Tânia.

Resposta:
Isso, ela é um amor. Nossa, tudo elas me adoravam. E quando elas inventaram de comer um prato com a Delci, inventaram de comer um prato, a copa estava assim [gesto de cheio com as mãos]. Aí eu: ‘Vai, gente. Pelo amor de Deus. Agora não dá para fazer isso'. Inventaram de comer...chegava, eu tinha que lavar o mamão, descascar, tirar a semente, cortar tudo em pedaços, pegar um pedaço de queijo fresco, cortar tudo em pedaços e pôr em cima. Depois pegar, às vezes era uma folhinha ou era duas de presunto. Aí eu fazia aquele canudinho e cortava tudo assim [gesto de cortar com as mãos]. Pegava o iogurte, abriu e colocava assim, na mesa dela, inventaram de comer, aí pegou moda, todo mundo queria. Uma vez o professor Joaquim, ai, eu adoro aquele homem, ele foi meu chefe, quando a Vera saiu, ele ficou meu chefe. Aí depois entrou o Almir, vixi, que coisa maravilhosa também. Aí ele chegou um dia lá e falou: ‘Di, eu quero uma maçã bem bonita, assim como você, bem vermelhinha e doce, se não, eu não vou pagar, vou pôr na sua conta'. Aí eu falei: ‘Ah, você põe uma, e eu ponho duas'. Aí eu pegava aquela maçã todo dia para ele. Aí ele: ‘Vou fazer um ovo para comer'. Aí eu: ‘Como, professor?'. ‘No micro-ondas'. Aí pegou moda, filha, teve dia que eu não aguentei. Falei: ‘Olha, pega um ovo, pega um pratinho, passa margarina, quebra o ovo, pega um palito, fura, faz uns seis buraquinhos assim, aí põe bem pouquinho sal e põe 50 segundos'. Ele fica cremoso, gostoso, para comer com pão. Aí começaram a ver, minha filha, começaram a vim doido para fazer, mas eu fazia tudo com amor e carinho. O café, eu era tão prestimosa na copa, porque eu adoro trabalhar na cozinha, eu adoro fazer comida. Se você chegar na minha casa, agora não, eu não estou aguentando porque estou com muita dor, às vezes compro alguma coisa feita, mas olha, adoro fazer comida, fazer bolo, fazer doce, nunca tive preguiça, sabe? Sempre fui aquela dona de casa, nunca tive preguiça. E eu fazia, para todos eles, que vinham pedir, eu falava: ‘Ah meu Deus, como é que eu vou fazer? Olha o que você foi fazer senhor Joaquim. Fala que você não pode e acabou'. O Laércio, um amor, aquilo é gente muito fina, ele trazia as marmitas dele de casa, aí ele liga para mim de lá: ‘Dona Edileuza, está me ouvindo?' Eu falei: ‘Estou, professor, agora eu estou'. ‘Aqueça a minha marmita que eu já estou descendo'. Eu esquentava a marmita, colocava na mesa direitinho, já tinha o azeite dele, no armário que ele trazia para temperar a saladinha que ele trazia, tudo com amor e carinho, aquela gente me adora. O Moacyr Rodrigues nem se fala. Nossa, o Marco Antonio também, muito bacana, só que o Marco Antonio é assim, ele é muito nervoso, grosso, meio estúpido, né? Só que comigo ele caiu do cavalo, porque não tinha grosseria comigo não, não é verdade? Tem que...uma vez eu fiquei sem conversar com ele. Aí ele: ‘Nunca mais você foi no almoço do IMES'. Aí eu: ‘Eu nunca fui, e eu não vou mais não'. ‘Vai, agora você vai porque eu vou colocar o seu nome na lista, se você não for, eu vou te dar três dias para ficar em casa'. Eu falei: ‘Faça, que eu não vou assinar. Vamos ver se eu vou'. E ele brincava, me abraçava, me beijava, aí eu ia [1:00']. No dia que ele estava de cinco minutos, ele era de veneta. O Laércio, um amor. O professor Silvio nem se fala também, todos eles eu gosto. As professoras que eu servia, vem aí, me abraçam, me beijam, os professores de Direito, é bom, eu estou feliz. Agora não, não posso fazer mais nada, já fiz minha parte, né? Me aposentei com 30 anos trabalhados, com 62 de idade, aposentei em 2010, já fez sete anos dia 18 de janeiro do ano, sete anos que eu me aposentei. Agora estou esperando ver se eles me mandam embora, mas vamos ver. Deus prepara tudo. Fiz aquele concurso da CLT, passei em segundo lugar para trabalhar na copa.

Pergunta - Priscila:
Dona Edileuza, é isso que eu ia perguntar para a senhora, porque primeiro a senhora foi contratada, depois a senhora fez o concurso?

Resposta:
É, foi assim. Eu entrei dia 29 de setembro de 1987. Eu não lembro se foi 1987 mesmo, ou foi 1988, que o finado Tortorello________ que eu nem me meto, fez uma reunião com todos os funcionários. Entramos, registrados pelo IMES, três meses de experiência como toda firma era, agora não lembro se ainda é assim, mas antigamente era assim, três meses, noventa dias. Se tiver algo contra você, não precisa ser nada grave, ou porque você falta, ou porque você chega atrasada, porque não está dando certo no serviço, não está fazendo, aí eles mandam você embora, as firmas eram assim. Ele chegou, fez a reunião com todos os funcionários, para fazer um concurso público pelo IMES, cada um no seu setor. Eu quis para copeira, porque eu queria trabalhar no meu serviço. Aí fiz a prova, passei, aí fiquei. Quem passou, você passou para a secretaria, você passou no concurso, aí nós ficamos como funcionário público. Quem não passou, o IMES mandou embora e pagou todos os seus direitos, e aqueles que passaram, ficou como funcionário público. Assinamos um termo lá no DP, assim: hoje, é 29, né? Hoje é 29 de março, então vamos supor que é hoje que nós fizemos. Quando for 29 de março, são dois anos, esse concurso era para dois anos. Hoje é 29 de março, hoje completou meus dois anos que eu fiz o concurso. Se eles têm algo contra mim, não precisa nada grave, por faltar, por chegar atrasada, por não estar dando o serviço, eles mandam embora, com tudo que tem direito. Amanhã é dia 30 de março, se eles não mandar você embora hoje, amanhã não pode mais. Só se for por justa causa, ou se você pedir a conta. Eles não podem mandar embora, e pode, porque eles tem dinheiro. Manda embora, e paga todos os seus direitos. Eles não vão fazer isso. Então você vai ficar até completar 70 anos, quando completar 70 anos, hoje, completei? Amanhã eles me mandam embora automaticamente e pagam os meus direitos. Que direito? Os meus 40% que é do fundo de garantia, o direito que a gente tem, né? De trabalhador. A norma foi essa. Agora disse que é com 75, eu falei: ‘Então está bom'. Vamos ver, eu vou completar 09 de abril, mas eu estou operada, estou em casa. Quando eu voltar, vou ver. Se eles não mandarem embora, vou procurar meus direitos, vou na justiça do trabalho porque não vou ferrar nada o IMES, Deus me livre, eu vou procurar meus direitos, é um direito que qualquer um de nós tem, né? Porque eu não to aguentando professora, o que que eu estou fazendo aqui? Vindo aqui com dor, doente, não dá mais para vim aqui, fazer o que, sem fazer nada, recebendo meu pagamento, ganho mais ou menos, graças a Deus por causa do meu concurso, olha, Deus que ponha ele em bom lugar, esse concurso da CLT não tem mais, nem eles podem tirar o nosso direito, só o governo. Eu fui comprar o meu apartamento, eu ia pagar menos as prestações, só que eu quitei, eu fiz para pagar com 17, quitei com sete, graças a Deus. Então não pode fazer com essas gratificações que a gente ganha, teve que fazer com o salário básico, da carteira, porque ela falou que, por causa do governo, pode tirar amanhã. Esse concurso que a gente fez é assim, a cada cinco anos que você completa de IMES, você tem dois pagamentos, sem nada descontar, com o seu daquele mês são três, mais um bom reajuste, e aí você vai indo, a cada cinco anos, e vai aumentando, 10, 15, 20, 25. [1:05'] Quando a gente completa 25, aí vem bastante coisa. Coisa por causa de serviço, sexta parte não sei de que, não sei de que lá, é muita coisa que tem, né? Graças a Deus eu ganho bem, graças a Deus. A minha aposentadoria também, me aposentei, ganho mais ou menos, graças a Deus. Mas porque eu trabalhei, eu lutei, né professora? Fiz esse concurso. Eu, a Cida, fizemos esse concurso público. Aí tiraram, cortaram, não tem mais. Só esse que eles fazem agora que eu não entendo, probatório, sei lá como é que fala. Mas aqueles direitos que a gente tinha não tem mais, e foi o que ajudou a gente, graças a Deus. Depois de uns 25 anos, é muita coisa. Tem que pagar, mil e pouco não sei de que, mil e pouco não sei de que lá, 900 não sei de que lá, 400 não sei de que lá, são uns nomes que eu não lembro assim de cor, mas não querem mandar eu embora, deviam me mandar, mas não me mandam, para ver se a gente pede a conta, não...professor de Direito mais antigo: ‘Edileuza, não, de jeito nenhum'. ‘Não, professor, não vou pedir'. Vou ficando aqui, vamos ver o que Deus vai preparar para mim. Vamos ver.

Pergunta - Luciana:
Se a senhora fosse relembrar tudo que a senhora viveu aqui dentro, o que que a senhora diria que a USCS representa para você e sua vida?

Resposta:
Como? Eu não entendi, fala mais alto.

Pergunta - Luciana:
Se a senhora fosse relembrar toda a sua trajetória aqui dentro do IMES, o que a senhora tem de memória de todos esses anos que a senhora trabalhou?

Resposta:
Ah, eu não entendi...

Pergunta - Priscila:
Qual a importância da universidade na sua vida, a senhora acha? A senhora poderia dizer como a senhora vê a importância desse trabalho aqui na universidade para a sua vida? O que a senhora diria para a gente ir terminando o seu depoimento?

Resposta:
Ah, eu não sei como eu respondo para você. Coisas boas, tudo bom. Veja aí o que que eu posso falar, tudo bom. Não tenho nada contra, trabalhei, estou ganhando meu pão, fui muito bem querida aqui dentro, pelos patrões, pelos professores, pelas professoras, funcionários, graças a Deus, de tudo. Estou muito contente, muito feliz, só que quando a gente vai chegando a idade, com dor, doente, queria estar em casa para descansar. Às vezes eu fico pensando, se eu sair, vou sentir muita falta, muita, muita, porque a gente tem muita lembrança boa, muita recordação boa daqui.

Pergunta - Luciana:
Tem alguma história que a senhora gostaria de destacar?

Resposta:
Uma?

Pergunta - Luciana:
Alguma história, alguma coisa específica que a senhora gostaria de deixar registrado?

Resposta:
Ah filha, eu sou tão assim, sem ter malícia dessas coisas, eu não sei o que significa você estar falando isso para mim...para falar uma história, como assim?

Pergunta - Luciana:
É, alguma lembrança boa que a senhora viveu aqui.

Pergunta - Priscila:
Tem mais alguma coisa que a senhora gostaria de contar, que a senhora lembre agora? Também se a senhora lembrar depois, a senhora conta.

Resposta:
Não estou lembrando não...

Pergunta - Luciana:
A gente vai deixar registrado tudo isso que a senhora está falando, então para encerrar tudo isso que a senhora contou para gente, se a senhora quiser contar mais alguma coisa...

Resposta:
É, porque eu já contei de tudo, bastante festa, bastante lazer para a gente, davam bastante presente, cartão de aniversário, quando fazia aniversário, se estivesse trabalhando ou se estivesse afastada, a moça da floricultura levava na casa da gente. Se a gente precisasse de uma coisa deles, do patrão, sempre serviram a gente, nunca negaram nada. Tem muito elogio, muita coisa boa aqui dentro. Estou muito feliz, muito contente.

Pergunta - Priscila:
Dona Edileuza, a universidade vai fazer 50 anos. Se a senhora tivesse que dar uma mensagem de aniversário para esses 50 anos, o que a senhora diria?

Resposta:
Espera aí que eu não entendo...

Pergunta - Priscila:
Se a senhora...pensa que a universidade é uma pessoa que vai fazer aniversário, 50 anos. Se a senhora tivesse que dizer alguma coisa para ela no dia do aniversário, o que a senhora diria?

 

Resposta:
Que quando ela fizer 50 anos, que seja bem...ai, espera aí minha filha, minha cabeça. Elogiando assim, que vai fazer 50 anos, que Deus dê ainda muitos anos para o IMES...o que mais? [1:10']

Pergunta - Priscila:
Nada. Precisa mais? [risos]

Resposta:
É, é agora esse ano, né? Em agosto?

Pergunta - Priscila:
Não, é o ano que vem.

Resposta:
É, agora fez 49, né? Então, que Deus dê bastante anos ainda para os professores que estão aqui trabalhando, estudando, dando muitas aulas, os reitores, pró-reitores, que Deus dê bastante anos para eles e que o IMES venha mais e mais com bastante coisa boa para ensinar.

Pergunta - Priscila:
Está bom

Pergunta - Luciana:
Está ótimo

Resposta:
Ai...[choro]

Pergunta - Priscila:
Por que a senhora está chorando, dona Edileuza?

Resposta:
Eu ganhei muito meu pão aqui, graças a Deus. Muito feliz, muito muito feliz. Um lugar bom para a gente trabalhar, atencioso com a gente, muito bom, muito bom. Às vezes eu penso, que quando a pessoa para, fica com muita saudade, mas tenho que parar, não posso continuar, muito doente, já de idade, né? Então, não tenho carro, tudo que eu venho, tenho que vim de ônibus, então já viu, para mim já não está dando, né? Mas, para mim, estou muito bem, muito feliz aqui. E quero que venha muita coisa boa, se Deus quiser, quando completar 50 anos, que venha mais e mais, que progridam mais, que vá mais para frente. Subir. Quando eu entrei, era Escola Municipal de Ensino Superior de São Caetano do Sul, aí foi indo, progrediu, foi para faculdade, agora é universidade. Coisas boas, né? Muita...professores bons...ensinam muito bem, os alunos que querem entrar e estudar mesmo, saem formados, bem estudados, agora aqueles que não querem, querem bagunçar...é diferente. A melhor faculdade que tem no ABC, a nossa mesmo aqui, muito muito boa. Graças a Deus, 30 anos vai fazer, nunca atrasaram vale, nunca atrasaram pagamento, as contas no dia das férias, tudo direitinho, muito correto com tudo, com tudo.

Pergunta - Priscila:
Muito bem

Resposta:
Está bom o que eu falei?

Pergunta - Priscila:
Então vamos para a festa de aniversário [risos].

Resposta:
[risos] Vamos ver se eu estou aqui ainda no ano que vem.

Pergunta - Priscila:
Se Deus quiser. Mesmo que a senhora esteja de licença ou já aposentada, a senhora vai vim para a festa com certeza.

Resposta:
Já deu cinco e vinte para eu tomar o outro?

Pergunta - Ileane:
Ainda não, cinco e dezenove...

Resposta:
Acabou?

Pergunta - Priscila:
Acabou. A gente agradece muito a senhora por ter contado toda a sua história, acho que os alunos nem imaginam o que acontece na copa, o quanto que foi feito na copa.

Resposta:
A copa é maravilhosa, trabalhei muito com amor, com carinho. Fazia tudo contente, sempre sorrindo, e tem que ser assim, né?

Pergunta - Luciana:
Tem.

Resposta:
Nunca levei bronca de ninguém, graças a Deus, _____ meu serviço. Eu que pedia fruta, eu que pedia Danone, os pratos, salgado, sobremesa, refrigerante, leite, frios, eu tinha que marcar, levar lá no almoxarifado...chegou a conhecer o senhor Cosme? Sabe, né? Já morreu...olha, você precisa de ver, era ele que era o chefe [pausa para tomar o remédio] Eu fazia o pedido de tudo, levava no almoxarifado, quando as coisas chegavam


Acervo Hipermídia de Memórias do ABC - Universidade de São Caetano do Sul